domingo, 23 de agosto de 2015

Entrevista com Paola Carosella, à Playboy, em 2014.


A jurada argentina do Masterchef Brasil fala sobre cantadas, arrogância portenha, peruas paulistanas, sua admiração por Carlos Tévez e de como foi salva por um telefonema de perder todo seu dinheiro na crise Argentina de 2001.



1) Como uma mulher que não tem televisão em casa foi parar no MasterChef?
Nunca tive televisão desde que cheguei da Argentina [em 2001]. Saí três vezes para comprar uma depois do programa, mas desisti. Resumindo: hoje tudo é exposição, e eu tenho um trabalho muito na moita. Queria exposição para passar uma mensagem.


2) Qual?
As pessoas comem mal. Voltar a cozinhar é fundamental para que a sociedade volte a ser mais saudável.


3) Essa exposição também deve ter aumentado a frequência do seu restaurante em São Paulo, o Arturito, não?
Não. O Arturito já estava muito bem. O que mudou é que às vezes eu vou ao salão e as pessoas ficam: “Olha ela!” Isso me incomoda. É difícil ver alguém apontando e dizendo: “É você, é você!”


4) Nossos leitores pedem você na abertura da seção Insiders. Você toparia?
Meu namorado é fotógrafo, a gente faz essas coisas. Mas fica superbonito só entre nós. Não preciso mostrar para as pessoas. Se eu fosse uma atriz e isso fosse ajudar na minha carreira…


5) Mas você é uma mulher bonita. Já levou muita cantada na rua depois do começo do MasterChef?
Não. Nem no restaurante. A minha aparência no Arturito não é a mesma da TV, e eu fico no andar de cima escondida. Mas o que acontece é pedirem foto. Pedem foto para mim e depois dizem: “Nossa, mas você é uma chata, hein?”


6) Esse é um adjetivo que tem sido bastante usado para você. É divertido ser a jurada carrasca?
O que é ser carrasca? Acho que isso é uma coisa da estrutura do programa. Não dá para ser fofa, não dá para falar: “Não, Marissol, não pode fazer a salada desse jeito, amor…” Quando se tem um restaurante, é preciso ter rigidez. O meu restaurante tem seis anos, está muito bem organizado, então não preciso berrar nem arrancar os cabelos, mas todos os chefs que que conheço que são bons são rígidos. O Mohamad na minha cozinha não duraria três minutos.

7) Foi difícil trabalhar com os outros dois chefs-jurados?
Óbvio que a gente brigou. O [Erick] Jacquin é superdifícil. Ele é um amor de pessoa, mas é muito intransigente. O [Henrique] Fogaça é mais sussa. Mas o Jacquin é muito intransigente. E eu também sou muito intransigente. E nós temos histórias e formações muito diferentes. No fim, acho que funcionou. Para mim, uma das condições para fazer o programa era saber quem eram os outros jurados. Apesar das diferenças, houve uma química, e existiu um grande respeito entre nós.


8) Houve reclamações sobre o MasterChef Brasil ter um jurado francês e uma argentina. Isso não é estranho?
Se a argentina e o francês não entendem porra nenhuma de comida, sim. Mas se a argentina e o francês são muito bons no que eles fazem, não. É preciso ter nascido em Minas Gerais para fazer comida mineira? Não sei se nacionalidade garante alguma coisa. Isso me parece um tanto xenófobo.


9) Uma pergunta clássica da relação Brasil x Argentina: Pelé ou Maradona?
Eu não entendo nada de futebol, mas cresci com o Maradona como ídolo. Ele é um cara repulsivo às vezes, mas tinha um talento que você parava e dizia: “Existe um Deus. Deus baixou nesse corpo e ficou alguns anos”.


10) Você não acompanha nada de futebol?
Nem a Argentina na Copa do Mundo. É difícil. Eu não tenho TV e não tenho marido que goste de futebol. Torcia um pouco pelo Boca Juniors, mas nem sei por quê. Acho que por ser um time do povo, ter todo o lance da raça, e tal. Aqui no Brasil eu gosto do Corinthians. Aliás, um cara para quem eu gostaria de cozinhar é o Carlos Tévez.


11) Então você não conhece o narrador Galvão Bueno e sua frase: “Ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é muito melhor”?
Eu conheço. O Galvão Bueno quer que as pessoas gostem dele e fala essas coisas. No fundo o que ele quer dizer é que a Argentina é um rival de respeito. Se fosse um time de merda, não teriam medo.


12) Falando sobre a rivalidade, você ri de piada de argentino?
[Pensativa.] Não. Você tem alguma boa para me contar? [Conto uma piada sobre a Argentina ser um país irmão, e não amigo, porque amigo a gente escolhe] Muito bom! [Risos.] Essa foi boa. Mas vou te contar: eu nunca na minha vida ouvi uma piada de brasileiro. Jamais! Por que será que vocês têm tantas e a gente não tem nenhuma? As nossas piadas são com galego, espanhol.


13) Qual foi o maior impropério que já teve de ouvir por ser uma argentina vivendo no Brasil?
Uma vez uma cliente me chamou de “sua argentina vaca”. Começou a gritar: “Volta para a sua terra, sua vaca argentina! Volta para a sua terra! Vocês não entendem nada!” Fora que, quando você está de mau humor, o pessoal diz: “Ah! Mas tudo bem, você é argentina”.


14) Você falava português quando chegou aqui?
Só “caipirinha”. [Risos.] Demorei para aprender. Mas fiz um esforço. Tenho amigos que estão aqui há muito mais tempo que eu e falam um portunhol bem duro.


15) Com qual palavra você teve mais dificuldade?
Ah, muitas! Largo é outra coisa, ancho é largo e largo é longo… Um monte de palavras são iguais, mas significam alguma outra coisa. Eu vim para cá em 2001, para trabalhar no [restaurante paulistano] Rubaiyat, e nos meus primeiros dias aqui o Belarmino [Iglesias, que é espanhol] me levou para o restaurante para eu aprender os movimentos da casa. E me deixou parada lá na cozinha por oito horas. Eu via que as pessoas passavam por trás de mim e falavam [sussurra]: “Licença”. Eu saí e disse para o [chef argentino] Francis Mallmann: “Nossa, todo mundo me chama de princesa!” E ele: “Não, idiota, estão te pedindo licença! Você está parada no meio do caminho!”


16) Você perdeu muito dinheiro com a crise de 2001 no seu país?
Não. Foi muito louco isso. Meu contrato terminava no fim do ano. O trabalho era uma loucura e eu nunca estava em casa, mas, por algum motivo, no dia 30 de dezembro eu consegui atender um telefonema do meu banco na Argentina. É que eu tinha um dinheiro de uma herança e o gerente estava perguntando se eu queria renovar minha renda fixa, mas eu resolvi tirar. No dia seguinte aconteceu o corralito, que fechou a grana nos bancos. Então eu devo o meu primeiro restaurante, o Julia, ao fato de ter saído cinco minutos do Rubaiyat e atendido um telefonema. [Risos.]


17) E qual a coisa mais estranha que você encontrou no Brasil?
As peruas. [Risos.] Eu achava muito louco as mulheres de salto às 3 da tarde numa segunda-feira. Mas o que mais me encantou aqui é que existe um desejo das pessoas de aprender. Aqui no Brasil, as pessoas pensam: “Eu quero chegar lá e eu vou aprender”. Já o argentino pensa: “Eu quero chegar lá e eu vou te foder a vida porque eu estou morrendo de ciúme de você”. Acho que a arrogância do argentino não o deixa falar: “Nossa, eu quero ser que nem você. Posso aprender? Você me ensina?”


18) Falando em arrogância: o argentino é cheio de si, crê ser o melhor do mundo e pensa que sua capital é cidade europeia. Sim ou com certeza?
A Argentina foi um país extremamente rico há não muito tempo atrás, com uma capital que você pode, ou podia, comparar com qualquer cidade da Europa, e com acesso a educação de graça. Isso provavelmente fez com que as pessoas se achassem melhores que as outras. Volte 50 anos no tempo e um portenho se olhava e se achava melhor que um brasileiro. E os portenhos gritam, são expansivos [imita]: “Eh! Che! Boludo!” Nojentos. Eu vou para a Argentina e eu me incomodo horrores. Mas hoje também me incomoda a arrogância dos brasileiros.


19) Você acha que os brasileiros também são arrogantes, então?
Vou te dar um exemplo: durante a Copa do Mundo, um amigo do meu sócio, bêbado num camarote, foi se jogar em cima de uns argentinos para bater neles… Idiotice não tem nacionalidade. Agora se os argentinos, os portenhos, têm esse estereótipo de arrogantes? Com certeza.


20) Se você tivesse de escolher apenas uma coisa do Brasil para torturar alguém, escolheria a nossa carne ou o nosso vinho?
A carne brasileira é sensacional, mas por que você me faz falar mal do vinho brasileiro? Na verdade, se eu tivesse de escolher alguma coisa para torturar alguém, seria o Galvão Bueno. {risos}

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